Venda irregular de ingressos e investigação: a crise no Fiel Torcedor

Escrito em 18/03/2025
Redação Corinthians

Polícia apura esquema clandestino na Neo Química Arena enquanto ex-responsável pela tecnologia do Corinthians denuncia negociações com empresas vetadas pelo compliance

 



Torcida do Corinthians ocupando assentos na Neo Química Arena — Foto: Marcos Ribolli
 

Mesmo antes de o Corinthians abrir a venda de ingressos para a final do Campeonato Paulista contra o Palmeiras, cambistas já estavam oferecendo entradas em grupos de WhatsApp. Setores populares, como o Sul (atrás do gol), são revendidos por até R$ 600, enquanto lugares mais privilegiados, como as cadeiras Oeste, chegam a R$ 1.500. O problema não é novidade, mas torcedores e até funcionários do clube afirmam que a prática tem se intensificado. Além disso, a dificuldade para os membros do programa Fiel Torcedor adquirirem ingressos vem aumentando.

A reportagem do ge rastreou ingressos revendidos por cambistas e identificou três possíveis origens: sócios-torcedores, conselheiros e até mesmo uma conta do próprio clube. O Corinthians destina milhares de ingressos para uso interno, distribuídos a jogadores, empresários e parceiros. No entanto, parte desses bilhetes acaba nas mãos de revendedores ilegais, como aconteceu na partida contra o Bahia, em dezembro de 2024.

Um relatório obtido pelo ge revelou que dois ingressos vendidos por cambistas saíram da conta "Arrecadação - Vendas", sendo adquiridos a R$ 45 e revendidos por R$ 180. Essa conta, uma das que mais recebe ingressos reservados, chegou a registrar 4.171 entradas para o jogo contra o Santos, número acima dos 2.662 informados pelo clube.




Dificuldade crescente para o torcedor

Funcionários do clube relatam que cada vez menos ingressos são direcionados ao Fiel Torcedor. Marcelo Munhoes, ex-chefe do departamento de tecnologia do Corinthians, aponta que o volume de entradas disponíveis para o programa caiu significativamente no último ano.

– O torcedor sente que está mais difícil conseguir ingresso, e ele não está errado – explica Munhoes. – Com o crescimento da torcida, mais gente quer ir ao estádio, mas com as mudanças na destinação dos ingressos, a quantidade disponível para o programa Fiel Torcedor caiu.

O ex-funcionário também mencionou um aumento expressivo na quantidade de ingressos destinados a setores administrativos do clube.

– Antes, a área de Marketing recebia cerca de 60 ingressos. Hoje, são dois logins distintos, um com 200 e outro com mais 200, totalizando 400. Isso impacta diretamente a disponibilidade para os sócios-torcedores.

Na partida contra o Santos, apenas 48% dos ingressos vendidos foram destinados ao público geral do Fiel Torcedor. O Corinthians, no entanto, considera donos de cadeiras cativas e torcidas organizadas nesse cálculo, elevando o percentual para 66,7%.

 



Cambismo e investigações em andamento

A revenda ilegal de ingressos já gerou diversas denúncias ao Ministério Público e à Polícia Civil, que investiga o caso através da 4ª Delegacia de Crimes Cibernéticos. O Corinthians afirma adotar medidas para combater a prática, como monitoramento de redes sociais e bloqueio de compras suspeitas, mas ressalta que é necessário que torcedores denunciem o crime para que haja punição.

Uma das soluções propostas pelo clube é a implementação do reconhecimento facial, medida que se tornará obrigatória em estádios com mais de 20 mil lugares até junho de 2025. No entanto, segundo Munhoes, a diretoria tem adiado a instalação do sistema.

– Esse é um projeto complexo, que exige testes e adaptações. Precisávamos ter iniciado em outubro de 2024, mas, devido a indefinições sobre o fornecedor, tudo foi adiado – relata.

Ele afirma que chegou a fechar um acordo com a empresa Ligatech para o fornecimento dos equipamentos, mas que a diretoria cancelou o contrato no dia seguinte à sua demissão.

Denúncias sobre contratos suspeitos

Desde o início da gestão de Augusto Melo, o Corinthians busca reformular o Fiel Torcedor e avalia propostas de novas empresas para administrar o programa. Em 2023, o departamento de tecnologia, com o auxílio da consultoria Alvarez & Marsal, realizou uma RFP (Request for Proposal, ou solicitação de proposta).

Duas empresas foram reprovadas pelo setor de conformidade do clube: 2GO Bank e Ticket Hub. A 2GO Bank, inclusive, foi recentemente investigada pela Polícia Federal por suspeita de lavagem de dinheiro para o PCC.

Munhoes afirma que, apesar da reprovação, houve insistência para manter as negociações.

– O presidente queria algo inovador, com um banco por trás. Mas nosso foco deveria ser garantir o funcionamento básico primeiro. Quando a 2GO Bank saiu do processo, a Ticket Hub passou a ser a preferida, mesmo com preços elevados e sem aprovação do compliance – pontua.

O Corinthians nega qualquer envolvimento com a 2GO Bank e afirma que a Ticket Hub apenas apresentou uma proposta, como outras empresas concorrentes.

Camarote Fielzone e a questão dos ingressos

Outro ponto de questionamento é o aumento da carga de ingressos destinados ao camarote Fielzone. Segundo Munhoes, o espaço tinha direito a 300 ingressos do setor Oeste, além dos 400 do próprio camarote. No entanto, esse número subiu para mil, retirando 700 ingressos que antes eram destinados ao Fiel Torcedor.

Além disso, ele alega que a empresa responsável pelo camarote tem uma dívida de R$ 2 milhões com o Corinthians.

– Essa questão foi levantada internamente, mas nenhuma ação concreta foi tomada para resolver a situação – diz Munhoes.

A Soccer Hospitality, dona do Fielzone, afirmou que os valores devidos foram acordados com o clube e que a maior procura por ingressos beneficia ambas as partes. Já o Corinthians informou que o aumento na quantidade de ingressos faz parte de um plano experimental, que será revisado após o Campeonato Paulista.

Fonte: Jogo de Hoje 360

 


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